2015 04 - Sudoeste alentejano: Lagoa de Santo André

Crónica de um início de abril em m/o/v/i/m/e/n/t/o/...

A nossa visita a Vila Nova de Santo André (concelho de Santiago do Cacém, distrito de Setúbal), pelo modo e o tempo em que foi feita, fez-nos lembrar a visão que um realizador cinematográfico assume ao captar as imagens, os momentos, a luz, a cor, a ação... Os movimentos que dá à camera, as técnicas que utiliza para captar exatamente o que deseja (sejam os sons, o trabalho de atores, o cenário...) e, depois, a edição, permitem o resultado final, só possível em apurado trabalho de equipa. Nós, nesta viagem simples, sentimo-nos como um realizador de cinema que tem o objetivo de filmar o descanso, a sua possibilidade.

A pré-produção da viagem teve um fio condutor de duplo sentido: a) evitar auto-estradas no cálculo possível entre a economia de tempo e a fruição de paisagens não urbanas, com o seu cansativo tráfego e poluentes latas; b) fruir descansadamente, e sem pressas, as alegrias que propiciaríamos aos nossos corpos e mentes.

O produtor colocou o essencial no top-case, atestou o depósito do precioso, lubrificou a corrente, programou os circuitos no GPS, mandou acertar a pressão de azoto nos pneumáticos e limpou os capacetes. Pouco mais.

A ideia era simples, sair de Braga, almoçar na Figueira da Foz, às 13:00h, partir às 14:15h, visitar o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota e seguir para Vila Nova de Santo André, para junto de um amigo, cujos familiares nos mimam com mordomias variadas. Mais: rolar fruindo as belas paisagens do caminho, onde se incluem estradas para motociclistas de encantos sempre retomados.

Uma vez chegados ao destino, não queríamos correr todos os cenários possíveis, não!

Com muita flexibilidade, dar-se-ia lugar a um certo e gostoso improviso na escolha dos percursos diários. Fazíamos assim: elencávamos uma série de possibilidades exploratórias, mas não mais do que isso, eram apenas possibilidades... Poderiam ou não cumprir-se. (Tal como se filma muito, mas se aproveita apenas 50%.) Este era o enredo do nosso filme, não saber bem o que ia acontecer.

As personagens eram três. Eu e a minha pendura motard e o outro motard alentejano. (Os amigos habituais da BMW estavam com 3 graus negativos no lombo, em Berlim.). Ocasionalmente juntar-se-iam outras personagens (adiante designadas de P.).

Depois havia o arco das P. (que são as mudanças que se verificam nas P. no desenvolvimento da narrativa). Essas mudanças registam-se nas linhas que se seguem... na realização...

 

DAY1 April, 1, 2015

DAY EXT. blue

Essencial Scene: Tróia/Comporta and amazing roads N 253 e 261

Embarque no ferry às 17:30h. Passaram à frente da fila de carros e auto-caravanas.Comem gelados.

 

Ferry-boat (Setubal-Tróia)

Depois N1 até Aveiras de Cima.

Despachada a bom ritmo (e, talvez... sem cumprir o código) a auto-estrada até à Figueira (A1 e A14, para variar à A17; 1:40h, com 10 min. de paragem na área de serviço de Estarreja), seguimos, após o almoço, pela estrada nacional 109 até Aljubarrota. A imprevisibilidade da mente feminina (talvez devido ao calor que se fazia sentir), fez-nos anular a visita ao Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota. Derrotado, virei o punho da Honda Integra, em modo Sport, e, num ápice estávamos em Aveiras de Cima. Depois Setúbal, Ponte Vasco da Gama, cais de embarque.

 

Os viajantes da NC700 D DCT/ABS rodaram até Tróia, que visitaram. De cabeça aberta ao vento, com viseira escura, viravam a cabeça de um lado ao outro, apreciando o que viam, ouviam, cheiravam e sentiam; de Tróia, passando por Comporta e até Vila Nova de Santo André, por Deixa-o-Resto (terra de enguias e outras iguarias, na Ti Helena).

A moto segue em velocidade calma para que a captação da imagem surja como uma timelapse de sinal contrário. Que prazer... que encanto... as cenas captam-se perto do parado, a 16 fotogramas por segundo. Ou seriam as árvores, os pinheiros intercalados com os sobreiros que se iam tornando mais constantes?

Depois passa por nós uma Ducati Diavel, com o motor desmodrónico a ecoar nos campos...

Os nossos fotogramas começam a passar mais rápido, 24, 25 até aos 30quadros por segundo, e também há algum prazer nisso..

De repente lembro-me do primeiro grande prémio desta temporada, a intensa luta entre Rossi e as Ducati no Qatar (29 de março), abre-se-me um sorriso amplo nos lábios e acelero um pouco mais.

Ali ao lado, lembro-me, merecem visita obrigatória as Ruínas Romanas de Tróia (compexo de salga de peixe, séc. I), e o Cais Palafítico da Carrasqueira, integrado na reserva natural do estuário do Sado.

Sempre que navegamos no ferry para Tróia e depois percorremos aquela estreita faixa de terra entre o oceano Atlântico e o Rio Sado, algo em nós começa logo a mudar. A paz do Alentejo penatra-nos ao percorrermos estes pequenos paraísos.

Chegados a Santo André, jantar, conversas relaxadas, cerveja, duche e cama. As baterias começam a recarregar!

 

DAY2  2, April 2015

DAY EXT. green

Storyboard: os P. percorrem, com luz de manhã cedo, cerca de 18 km... a pé! Três etapas: primeira, de Sto. André a Monte Velho, passam a abertura para o mar da lagoa. Conversaram com eles o que parecerá ser 10 min.(eram de Lisboa, lá trabalharam 50 anos). Segunda: seguem até à Aldeia de Brescos. Um casal de idosos oferece-lhes duas garrafas de água, a meio caminho. Um cachorro preto segue-os durante 1 km pela areia entre chaparros e pinheiros. É afugentado por dois cães maiores. Seguem e descnsam junto de uma ribeira, depois de terem colhido nêsperas maduras. Terceira: chegam à aldeia de Deixa-o-Resto. Ali comem uma linguiça assada e bebem cerveja. Telefonam ao amigo para os vir buscar. Faltam 8 km. Ele não atende. Abalam. Dois quilómetros depois um homem num carro com 42 anos, dá-lhes piedosa boleia. Tomam duche, queixam-se ao amigo (ou do amigo...), jantam, riem e adormecem com a lareira acesa! (o efeito psicológico da lareira é muito repousante e ajuda a deixar os corpos deixarem-se cair no sofá, arrastando-se, depois, com dificuldade até à cama.)

 

DAY 3; 3 April, 2015

DAY EXT. blue/yellow

Fruição do areal e águas da praia de S. Torpes. Almoço com mais duas personagens familiares e amistosas. Degustam um enorme Pampo Real assado em forno de lenha, entre demais iguarias. O piloto da mota fuma um charuto oferecido, debaixo de uma laranjeira. Recusa-se a sair de moto, pois bebera aguardente de medronho. Saiem de carro conduzidos pelo amigo. Voltam para a mesma praia, depois de sesta de 1 h. Nuvens ameaçadoras fazem-nos partir para maravilhosa visita à Estação Ornitológica do Monte do Outeirão: Uma hora de prazentosa caminhada em passadiço novo, entre chilreios, coachares e avistamento de pegadas de javali. Num esconderijo observam os galeirões em final de soalheiro dia...

   

DAY 4; 4 April 2015

Close-up sobre pequeno-almoço farto. Partida para a praia da Lagoa de Santo André. pt.wikipedia.org/wiki/Reserva_Natural_das_Lagoas_de_Santo_Andr%C3%A9_e_da_Sancha

 

O casal deixa o amigo, caminha 2 km e vai a banhos como veio ao mundo no lado da praia. Não se vê vivalma. Só conchas e o doce murmúrio do bater ritmado das ondas. Espuma. Apanham sol e regressam pela lagoa, chapinhando na água tépida. Ao almoço há borrego com batata doce, vinho, pão e azeitonas alentejanas para serem devidamente tratados... Abalam para Sines. Visitam a urbe, ingerem café e pastéis de nata. Criticam um escadório ostensivo mandado fazer por autarca feliz... Seguem para a Praia da Vieirinha. Mais sol e água. Colocam protetor solar enquanto admiram, perto, uma novíssima KTM Super-adventure, 1290.

Jantar: frango, salada executiva regada com azeite (cultivado por P. amigas), vinho espumante e gelados. Não se fala de política, nem de trabalho, nem de colesterol. Fala-se de passeios antigos, de visitas a museus, a palácios, a praças, de ida a concertos, de livros e de filmes que se apreciaram.

 

 

DAY 5; 5 April 2015

Pequeno-almoço copioso com batidos verdes e vermelhos. Queijos e bôla de carne caseira.

Saída. IC1 até à Marateca. Dali pela N10 até Peguões. Depois N119 até Coruche e N114 até à IC10 para Santarém. Estradas e paisagens muito boas para motas: campos pintados de amarelo e papoilas, campos geometricamente cavados, Montes, gado pastando, curvas e paisagens para apreciar com bonomia em velocidade calma, pois a GNR em época pascal gosta muito de escrever...

Almoço preenchido em Domingo pascal, seguido de conversas com outras P.. Passeio de cadela em jardim. Mota na garagem.

Sesta. Mais repouso e televisão. Escrita neste sítio e inserção de fotos.

 

DAY 6; 6 April 2015

Fig. Foz

Pequeno almoço frugal. Escrita no sítio. Caminhada de 2h até Buarcos. Vinte minutos na praia ao sol com pés dentro de água, junto às rochas, perto da Celeste Russa. Bacalhau ao almoço, Muralhas de Monção e bombons. Descanso e escrita neste site.

Partida para Braga pelas 18:00h. O regresso demorou uma eternidade, uma hora a mais do que na viagem de ida. As razões prendem-se com a decisão de tomar a estrada nacional que passa por Mira até Ílhavo. Não foi bom, mais valia termos tomado a A17 até Aveiro e daí a A1 até ao Porto e depois a A3 até Braga. Afinal, sempre se completariam 1100km e o corpo merecia algum repouso. Acontece que, contrariando as previsões metereológicas, a partir de Ílhavo e até Estarreja cai-nos uma valente carga de água em cima. O equipamento que levávamos não era o mais adequado..., pelo que o resultado foi, digamos, menos agradável. Mesmo com chuva, circulámos entre os 120 km e os 140 km. Na zona do Porto não chovia, pelo que aceleramos mais um pouco e passamos ao lado do Dragão, que se preperava para dar 5 a zero ao Estoril.

Em Braga não chovia, pelo contrário, estava quente e a noite descia límpida.

Jantar, que no outro dia havia que ganhar para o próximo jogo de pneus.

 

E assim se passaram uns belos dias de descanso. Deles recordamos o prazer de curvar com a maleável Honda Integra, cuja silhueta esguia rasga o vento devorando quilómetros com alegria . O tempo passou calmo por nós.

Todos sabemos que, com as motas não passamos pelas paisagens, somos parte delas. E, nesta viagem, a possibilidade de o tempo passar, por nós, deliciosamente mais lento, foi conseguida. Cabe ao leitor julgar se gostou do filme... Nós somos suspeitos para opinar, pois ainda temos o sorriso nos lábios!:)

 

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